17.8.12

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Organizador do Fela Kuti Day em Paris mapeia o melhor do afrobeat na França

Fela Kuti perdeu alguns dos melhores músicos do Africa 70 e Egypt 80 no encerramento de suas turnês pela Europa. Foi assim com Tony Allen, Pax Nicholas, Oghene Kologbo, Dele Sosimi, Chief Udho Essiet, Kiala... todos decidiram não embarcar de volta para Nigéria para fugir da ditadura e repressão no país. Quase 30 anos depois, a maioria continua firme e forte na Europa e acabaram virando figuras-chave no movimento black-afrobeat em capitais como Paris, Berlim e Londres. Da França, onde se estebeleceram Tony Allen, Kologbo, Essiet e Kiala, saíram bandas como Fanga, Guetho Blaster e Akale Wube. E é em Paris que está o centro nervoso da cultura black francesa  num caldeirão cultural formado por grandes instrumentistas, milhares de imigrantes africanos e fortíssima tradição musical com dezenas de casas de jazz e rock, algumas de 'tropical music', além de palcos e festas onde se escuta o melhor dos sons africanos.

DJ no La Bellevilloise e La Machine, Norte de Paris, Jean Nessim, o DJ Ness, 45 anos, é um dos principais divulgadores da cultura africana na cidade e um dos organizadores do Fela Kuti Day. Parisiense com sangue africano após anos morando em países como Senegal, Mauritânia e Mali, Ness é membro do selo GetUpand Think, da revista Star Wax e do coletivo super atuante na noite francesa Afro Beat No Limit. Filho de integrante da Unesco e sempre vivendo da música, ele já abriu apresentações para todos os grandes nomes da música africana que tocaram em Paris, entre eles Tony Allen, Seun Kuti, Dele Sosimi e mais recentemente Ebo Taylor, além de ter parcerias com bandas de ponta como Souljazz Orchestra, Kutiman e Lack Of Afro.

Ouça playlist com Ness tocando com flautista francês ex-Farofa Carioca Bertand.


Em entrevista ao oblogbalck antes de embarcar para NY, onde se apresentará em casas clássicas como Shrine, Cubana Social e @116, Ness fala sobre como anda a cena afrobeat na França, lista dicas valiosas de bandas pouco conhecidas por aqui, mapeia lojas e bairros onde Paris é mais black e termina fazendo seu top 5 de sons africanos.

Como você vê a cena afrobeat hoje em Paris? Ainda é um música de gueto ou tem caminho para o mainstream?

Afrobeat está crescendo muito em todo o mundo e segue fortíssimo na França. Engraçado você ter usado o termo gueto. A primeira banda realmente relevante a vir da África para se estabelecer em Paris, com membros do original Egypt 80, foi o Guetto Blaster. O percussionista número 1 do Fela, Chief Udho Essiet, e o guitarrista Kiala, continuam até hoje morando aqui.  Eles tiveram um grande hit na França, nos anos 80, ‘Na Waya’, e fizeram história por ser uma das primeiras bandas da Europa a fazer afrobeat. Kiala atualmente toca também com o Anergy Afro Beat. No início, era até arriscado porque o Fela não gostava que outras bandas tocassem  suas músicas. Mas acho que o afrobeat vai estar sempre relacionado com o gueto porque é uma música que vem das ruas. Ao contrário do hip-hop ou do r&b moderno, não tem nenhuma relação com a indústria.

Quais bandas de afrobeat você destaca atualmente na França?

Novos grupos como Rutmétix ou Walko têm mostrado trabalhos excelentes, misturando novos ritmos e gravando com nomes como Kiala. Gosto muito também do Imperial Tiger Orchestra, da Suíça. Ainda na Europa, tem o Heliocentrics, excelente! É por causa dessas bandas que jovens do mundo inteiro têm conhecido cada vez mais o afrobeat.

Qual a relação entre afrobeat e os músicos africanos moradores de Paris?

O primeiro show do Fela na Europa foi na Bélgica, produzido pelo meu atual sócio, que organiza grande parte dos shows de música africana em Paris. A França foi um dos primeiros países a receber Fela e Tony Allen. Além da enorme colônia africana morando em Paris, há também uma herança musical do jazz com grandes casas de show. O New Morning (a Banda Black Rio tocará lá em setembro) foi o primeira casa do afrobeat de Paris, nos anos 70, depois o Hot Brass Club, em La Villette, que teve papel importante no desenvolvimento da cena afro-funk em Paris, nos anos 80. Quando eu tinha 17 anos, fui empresário de duas dessas bandas, Malka Family and Xaymaca. Mas a França é o país da contradição, tem muita espaço para divesidade cultural, mas ao mesmo tempo muito conservadorismo e reforço da identidade nacional. Demoramos muito para conseguir criar festas de afrobeat em Paris. Músicos como Amayo, do Antibalas, Souljazz Orchestra, Kutiman, Massak, Seun Kuti, todos já tinham tocado em vários partes do mundo até virem para cá. Quando juntei forças com a Afro Beat No Limit, as coisas decolaram. Hoje produzimos as maiores festas de afrobeat da França e conseguimos atenção no exterior também porque temos muitos seguidores, além de produzir o Fela Day em La Machine e em La Belleviloise. Sempre lembro a minha madrasta me perguntando porque eu não produzia grupos franceses, é mais ou menos assim que as coisas funcionam aqui.

Em que região Paris é mais africana?

Paris é dividida em duas áreas principais, o lado direito do Sena tem mais bairros africanos como Montrouge , Chateau Rouge , Barbes, Belleville, Nation e o 20e.

Qual o melhor lugar de Paris para garimpar discos?

Betino’s, Superfly Records e Gibert Joseph são minhas três lojas preferidas. No Betino’s, você encontra todo tipo de música negra que não encontra em nenhuma outra loja e discos importados da Jazzy Sports, do Japão, ou da Kindred Spirit. É pequena, mas incrível para garimpar, principlamente por causa do astral da loja e do dono, quase impossível sair de lá sem nada. Os donos da Superfly Records são especialistas e tem verdadeia adoração por discos raros e obscuros.

Qual a importância da internet para esse revival africano ? Como você vê o trabalho de selos como Daptone, Analog, Vampsoul, Strut?

Miles Cleret é nosso musicologista da música africana, faz um trabalho incrível e de grande impacto, apesar da cena inglesa continuar bem atrás e seus músicos ainda sofrerem com isso. Ele teve ajuda do Quantic e Hugo Mendez para promover a Soundway. E como ele é uma pessoa bastante generosa, ajudou depois o Samy Redjeb da Analog Africa. Mas temos que lembrar do trabalho incrível da Stern Records, nos anos 80, os discos do Fela pela Decca, e depois o Honest John. Outra pessoa que devemos lembrar nesse processo é o musicologista  John Colins, hoje professor na Universidade de Gana e autor de dezenas de livros 

O que você acha do termo world music?

É uma armadilha do mercado. Não quer dizer nada. Ainda mais depois que o mundo descobriu nos últimos anos que existe afrobeat, soukous, mbalax, afrorock, afrosoul.... a lista é interminável.

Quantas vezes você já viajou para África ?

Minha família tem uma história muito forte com a África e com a música africana. Comecei a viajar cedo porque meu pai trabalhava na Unesco. Morei primeiro no Senegal, como muitos cidadãos franceses, depois no Mali e Mauritânia. Aprendi percussão criança, ‘darbouka’ foi o meu primeiro instrumento. Participei de vários rituais e cerimônias em que a música tem papel fundamental e coloca as pessoas em verdadeiro transe. 

Quais os planos para o Fela Day esse ano?

Vai ser novamente no Belleviloise, que tem muita tradição. Podemos ter convidados como Tony Allen, Seun Kuti, vamos ver quem aparece. Temos muitos DJs trabalhando juntos com a StarWax .

Para terminar, faça seu top 5 de grandes clássicos do afrobeat e mais 5 novas bandas para ficar de olho:

Fela Kuti e Ginger Baker, ‘Let’s Start’
Segun Bucknor, ’Adebo’
Aleke Khanoun, ‘Mother’s Day’,
Geraldo Pino, ‘Heavy Heavy’
Matata, do Quênia, ‘Wanna do my thing’

Seun Kuti & Egypt 80 (Nigéria)
Isdeen (Benin)
Anergy Afro-Beat  (França)
Fanga  (França)
Antibalas (EUA)

Na playlist, ouça faixas de Fela Kuti e Ginger Baker, Segun Bucknor, Geraldo Pino, Matata, Seun Kuti, Fanga e Antibalas. Abaixo, vídeos de Aleke Khanoun, Isdeen e Anergy Afro Beat. Thanks Ness!


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