17.11.12

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ela Kuti, o rei do afrobeat sob um olhar brasileiro

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Fela Kuti, o rei do afrobeat sob um olhar brasileiro (Oblogblack no Segundo Caderno do Globo)

Filho mais novo de Fela Kuti, o “black president” criador do afrobeat, Seun Kuti esteve três vezes no Brasil - a última em 2012, na Virada Cultural de SP-, sempre honrando com sobras o DNA real de um dos maiores músicos africanos da História. Em 2010, durante o Back2Black, no Rio, o documentarista, DJ e produtor Pedro Rajão fez de tudo para entrevistar Seun nos bastidores da Estação Leopoldina. Não só conseguiu como passou dois dias inteiros com sua banda, a Egypt 80 (formada quase toda por ex-músicos do pai) e ainda ganhou a confiança do nigeriano, que virou apoiador decisivo para seu projeto: produzir o primeiro documentário brasileiro sobre Fela Kuti, “Anikulapo”. 

- Consegui a credencial para o show, mas na hora quase fui barrado. Conversei com Seun no camarim, mostrei que minha pesquisa era contundente e expliquei que minha ideia era ir para a Nigéria — lembra Rajão. 

O encontro com Seun foi o ponto de partida para uma série de entrevistas com músicos africanos que passaram pelo Brasil nos dois anos seguintes, entre eles figuras-chave na carreira de Fela, como Tony Allen (grande parceiro e criador da batida do afrobeat), Femi Kuti (irmão de Seun), Mulatu Astatke (gênio do ethio-jazz) e Antibalas (grupo de NY representantes da nova cena black de NY). 

Entre os brasileiros influenciados pelo groove de Fela, Rajão já acumula uma extensa lista de entrevistados ilustres, passando por Gilberto Gil, Criolo, BNegão, Mr. Catra e Letieres Leite; e vários especialistas, inclusive o mais importante deles, Carlos Moore, amigo pessoal e único biógrafo autorizado. Mas falta ainda a cereja do bolo para o documentarista considerar completo o que ele chama, por enquanto, de sua “afro-anarquia audiovisual”: embarcar para Lagos, capital da Nigéria. 

Na África, Rajão planeja conhecer de perto todos os locais que fazem parte da história do afrobeat, como o Shrine (antigo local onde aconteciam os shows de Fela, que deu lugar ao New Shrine, administrado por Femi) e Kalakuta, a república símbolo de resistência contra ditadura nigeriana onde o saxofonista morou com suas 27 esposas. 

- Comecei a coletar as entrevistas sem maiores pretensões, e quando vi já tinha um material enorme e um roteiro claro — explica Rajão, que investiu do próprio bolso R$ 4 mil, entre cachês e passagens, para filmar shows e festas em cidades como SP, BH, Olinda e Salvador. - Duas entrevistas me marcaram muito. Com Carlos Moore, eu quase não fiz perguntas, sua fala foi carregada de emoção, precisão e muito conhecimento de causa. Já o Gil me recebeu tocando uma música linda no violão, falou sorridente sobre a experiência com Fela na Nigéria, sua formação musical e a negritude no Brasil. 

Batizado com o sobrenome inspirado em um rei nigeriano que Fela passou a usar no lugar do original, Ransome, a partir de 1977, “Anikulapo” já tem teaser com trechos material de mais de 40 horas de gravação. Para viabilizar o último passo do projeto antes da edição final, Rajão inscreveu o documentário no site de financiamento coletivo Catarse, com uma série de prêmios para os apoiadores, como ingressos para a festa-show de lançamento, agradecimentos no filme, cartazes e discos trazidos da Nigéria. 

- Meu foco é a música, mas é inevitável abordar também sua luta política. Fela bateu de frente com todas as estruturas políticas, religiosas, culturais, atacou companhias de petróleo, de luz, gravadoras, quase tudo e todos. E mesmo assim, com seu trabalho censurado, Kalakuta invadida, preso mais de 200 vezes, teve pulso pra continuar gravando e fazendo shows sem escrúpulos ou metáforas. A veemência de Fela e a ideia de que jamais seria exilado da Nigéria fazem dele um ícone de resistência política que tinha na música seu principal veículo - diz. 

O período de contribuições para “Anikulapo” no Catarse termina no próximo dia 27. Por enquanto, o projeto já tem mais 60 apoiadores, entre fãs de Fela, DJs, pesquisadores e amantes de afrobeat. No Facebook, a página se aproxima de mil curtidas, mas Rajão corre contra o tempo, pois até agora só arrecadou 20% do custo total de R$ 27 mil. Se tudo der certo, ele viaja no final do ano para a Nigéria. A verba do Catarse será usada nas passagens e custos de produção local, e a equipe deve ficar hospedada na casa do próprio Seun. 

Produzido em 1982, “Music is the weapon” é até hoje o projeto para cinema mais famoso e completo sobre o criador do afrobeat. Dirigido por Jean-Jacques Flori e Stephane Tchalgadjieff, o documentário mostra uma longa entrevista com Fela em Kalakuta e trechos de seus shows catárticos. Além de “Anikulapo”, o músico, compositor e multi-instrumentista nigeriano está prestes a ganhar mais um filme, “Fela”, com direção de Steve McQueen, londrino que chamou atenção em 2009 em festivais internacionais com “Hunger”. 


 A expectativa é que o longa de McQueen possa repetir o sucesso do musical “Fela”, produzido em 2010 pela dupla Will Smith e Jay-Z, ganhador de três prêmios Tony após mais de um ano na Broadway. No Brasil, o projeto mais contundente até agora sobre Fela Kuti foi o livro de Carlos Moore, “Fela: Esta vida puta”. 


Fela Kuti nasceu em uma família de classe média na cidade de Abeokuta, norte de Lagos. A mãe era militante feminista (uma das primeiras mulheres a dirigir um carro no país) e o pai, pastor protestante que virou liderança entre professores. Com discografia de quase 50 álbuns, Fela misturou ritmos africanos com o jazz e o funk de James Brown para criar o afrobeat. Morou nos EUA e Inglaterra, mas fez questão de voltar à Nigéria para nunca mais sair.

Desde a década de 90, a obra de Fela começou a ser redescoberta, inspirando o nascimento de uma nova cena afro, primeiro em Nova York, com bandas como Antibalas, Daktaris e Budos Band, e depois na Europa, Austrália, até chegar com força ao Brasil. Grupos como Bixiga 70, em São Paulo, e Abayomy, no Rio, já têm público fiel. Com roteiro em fase de produção, Rajão já reservou espaço para falar sobre o novo afrobeat e sobre bandas como André Sampaio e Afromandingas (RJ) e Burro Morro (PB). 


- Os músicos, DJs e festas que reverenciam Fela fazem parte de um movimento espontâneo que confirma a tese do Carlos Moore e também a do filme de que o Brasil será a próxima capital mundial do afrobeat. 

“Anikulapo” deve ser lançado no final de 2013, com festa e show. E, muito provavelmente, com a quarta viagem de Seun Kuti ao Brasil. 

Strut lança 'Fela Kuti – Live in Detroit 1986' (2012)
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